Acesso ao Conhecimento

Acabei de ver o filme sobre a história de Aaron Swartz (Internet’s own boy). Fiquei interpelado pelo facto de um jovem brilhante ver a sua vida destruída porque fez demasiados downloads de artigos científicos da JSTOR. No final do filme é feita uma reflexão sobre a importância do acesso ao conhecimento que levou um jovem de 14 anos, ignorado por muitos universitários (excepto um que lhe deu uma hipótese), a descobrir um teste que permite detetar um cancro no pâncreas atempadamente.

Este é um debate longo e duro. O open access em ciência tem ainda um preço. A partir do momento em que o meu artigo é revisto e aceite para publicação numa revista internacional, pedem-me para assinar um documento em como cedo os direitos de autor dessa publicação à editora. Foi algo que nunca me importei, e não mudei de ideias depois deste filme, mas fiquei a pensar.

Quando comecei o meu doutoramento, o acesso a artigos dependia da ida a algumas bibliotecas universitárias (morando em Lisboa cheguei a ir à Coimbra!), dinheiro para fotocópias e umas costas jovens que carregassem o peso dos artigos para casa, ou para o laboratório. Não era fácil o acesso ao conhecimento. Por isso, foi uma enorme revolução quando surgiu em Portugal a B-On. A partir desse momento passámos a ter acesso a um grande número de artigos, mesmo se limitados – em muitos casos – a um certo período de publicações mais recentes. Depois, surgiram sites como o sci-hub, e mais recentemente o libgen, que dão acesso a quase todos os artigos desde que haja uma biblioteca que tenha uma versão digitalizada. Será legal aceder a artigos através destes últimos? Um dos argumentos fortes do filme é questionar o que será mais ilegal: fazer um download de um artigo através de sites deste género; ou limitar o acesso ao conhecimento para que esse seja fonte de rendimentos de alguns.

O acesso ao conhecimento pode servir para o maior bem, como o maior mal, mas não é isso que está em questão. Antes, está em questão o lucro que uma empresa editora de publicações científicas faz à custo do trabalho científico que não pagou para que tenha sido feito. Por que razão está o acesso ao conhecimento dependente da capacidade financeira que o permite? Se eu ou a Universidade pagar acedo, c.c. não acedo.

Quando faço a revisão de um artigo para uma revista internacional ninguém me paga, apenas agradece. E do que estou eu à espera? Que um dia me paguem? Reconhecimento? Não. Apenas espero que o meu contributo possa ser positivo para quem faz o trabalho, de modo a melhorar sempre, e com isso participar no processo de progresso no conhecimento científico, além dos artigos que eu próprio submeto para publicação.

Publicar para um investigador que pretenda fazer carreira, ou mesmo para um professor universitário é essencial. Sempre pensei, e penso ainda, que o essencial é desenvolver conhecimento e partilhá-lo com a comunidade científica internacional, de modo a validar o seu interesse e melhor a forma como é explicado. Não me interessa muito o ranking, embora esteja consciente da necessidade de haver critérios para ser avaliado, e que esse é um deles. Porém, comecei a pensar se a humanidade está condicionada no acesso ao conhecimento, não poderá ser essa uma das maiores barreiras ao progresso científico que existem hoje?

Ninguém me paga por publicar um artigo, ou rever artigos dos meus colegas. Essa reciprocidade gratuita e desinteressada faz parte do edifício daqueles que não cessam de se maravilhar com o mundo e encontrar naquilo que o explica um ato, por vezes eufórico, de contemplação da Verdade sobre a Realidade. Porque haveremos de limitar as oportunidades de contemplar?

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