Os métodos científico e o teológico são muito distintos. Mas será possível a sua unidade sem distinção ou confusão?
Pensem bem. No mundo tudo está ligado com tudo. Cada coisa com cada coisa. Esta realidade foi repetida sistematicamente na Encíclica do Papa Francisco Laudato Si’ e serve também de base a qualquer ciência ecológica. Isto para dizer que tanto em ciência como em teologia se reconhece a importância da relacionalidade na base da compreensão do mundo que nos rodeia.
Apesar desta relacionalidade ser uma experiência quotidiana, o facto do mundo ser assim e não de outro modo é um convite ao significada e ao mistério (entendido como realidade escondida e não enigma, ou problema a resolver). Por isso, apesar de ciência e teologia serem dois pontos de vista sobre a compreensão da realidade, se tudo no mundo está interligado, porque haveriam estes de não estar?
Muito argumentam que seria uma contradição, ou um paradoxo. Eu penso que são, de facto, distintos, mas tenho feito a experiência de que a sua unidade na distinção é compreensível e existe um conceito e uma prova de conceito disto mesmo.
Conceito: pericorese
O conceito de pericorese é teológico e refere-se à forma que encontrámos de expressar o pouco que nos foi dado a conhecer, por Jesus, sobre Deus-Trindade. Esta palavra expressa uma unidade perfeita, numa perfeita distinção, sem separação ou confusão. No caso de Deus-Trindade, pericorese significa que ao pensarmos na Pessoa do Pai, n’Ele vemos o Filho e o Espírito Santo; ao pensarmos no Filho, n’Ele vemos o Pai e o Espírito Santo; e ao pensarmos no Espírito Santo, n’Ele vemos o Pai e o Filho.
Talvez a forma mais humana de traduzir o que isto significa é pensar naquele casal em que se nos encontrarmos com ele, ou com ela, parece que não o(a) conseguimos olhar sem pensar(ver) nesse(a) o cônjuge. Eu experimentei isto com alguns casais. E, inclusive, tenho a experiência de ver um deles partir prematuramente, deste mundo, e ainda assim, continuar a fazer esta experiência com o outro.
Será, então, possível fazer esta experiência no caso da ciência e da teologia, expressa pela fé de uma pessoa?
Prova de conceito: cada um de nós
Em ciência, a experiência é fundamental para o seu desenvolvimento. Com Galileu emerge a ciência teórica sem base experimental, mas impulsionando-a. Ou seja, a forma de mostrar a veracidade da teoria é através da experiência.
Todos os que têm uma fé madura e consolidada (não cristalizada) fizeram uma experiência de Deus, ou melhor, fizeram uma experiência do modo de ser de Deus. Como Deus – e aqui nos restringimos à experiência cristã – foi-nos revelado em Jesus como Trindade, Pessoas em Comunhão, íntima e plena relacionalidade, qualquer experiência relacional com alguém que nos dá uma profunda experiência da realidade à nossa volta, pode ser uma experiência deste modo de ser de Deus.
Enquanto a ciência é a nossa forma particular de descobrir o mundo, de o explicar concretamente, de vislumbrar as possibilidades futuras; a fé é a nossa forma particular de estar no mundo, de o viver concretamente, de vislumbrar a esperança de que o futuro é melhor do que qualquer passado.
A ciência só é possível pela nossa inteligência, e quando a tomamos como um dom de Deus-Criador, então é importante que usemos esse dom e aceitemos o convite de Deus a descobrir o modo de ser do mundo que Ele criou. Mas, embora a ciência nos ensine muito, não nos ensina ou explica como amar o próximo, como ser generoso, como amar reciprocamente. A fé ensina-nos isso.
O que torna possível descobrir Deus no meio da ciência é o deslumbramento perante o modo de ser do mundo, podendo levar-nos a pensar no seu Criador. É a experiência que fazem muitos cientistas crentes.
O que torna possível descobrir a ciência no meio de Deus é a criatividade humana perante o modo de ser de Deus, que não cessa de nos surpreender e de nos impulsionar a descobrir cada vez mais e melhor a Sua criação.
Na Trindade, o Pai gera o Filho, e o Filho glorifica o Pai, sendo o Espírito Santo o amor entre o Pai e o Filho. E são Um só na distinção dos Três. Algo expresso pelo conceito de pericorese. Cada Pessoa na Trindade faz-se não-ser por amor, para que cada uma das outras seja. Numa íntima, profunda e plena comunhão entre si, de tal modo que sou incapaz de ver em cada Pessoa, sem nela ver as outras duas. Então, o convite a uma pericorese entre ciência e fé implica encontrar a terceira pessoa nesta analogia (limitada, claro). Penso que essa seja o deslumbramento.
Nesta analogia, o convite é o de que a fé gera a ciência porque se o universo é a linguagem através da qual Deus nos fala, este acreditar em Deus pela fé implica o crescente desejo de conhecer o universo para saber o que Deus nos quer dizer através de cada realidade do mundo. Por sua vez, a ciência esclarece a fé porque crer em Deus é crer na Verdade e Realidade-que-tudo-determina. Sem a ciência podemos alimentar um visão e fé em Deus que nada tem a ver com Deus, ou cristalizar a fé, deixando de a aprofundar. O resultado de uma fé que gera ciência, e de um ciência que esclarece a fé é o deslumbramento. Quem não se deslumbra com a explicação das coisas dada pela ciência, ou com o sentido e significado dado pela fé, perde a oportunidade de experimentar uma verdadeira unidade na profunda distinção, sem separação ou confusão.
O lugar onde esta “pericorese” entre ciência, fé e deslumbramento acontece somos nós, cada um de nós. Logo, se e quando fizeres esta experiência, tornas-te a prova de conceito.