“Razões” irracionais

Em resposta ao meu caro amigo ateu Ludwig…

Alguns não crentes entendem como irracional a adopção de uma crença específica de um certo conceito de Deus. Porém, existem tantos conceitos de Deus que foram evoluindo ao longo dos milénios da história humana que meter tudo no mesmo saco pode ser uma opção intelectual que dá jeito. Caso contrário, dá muito trabalho perceber mesmo qual o conceito de Deus que, por exemplo, um Católico vive – sim, porque Deus vive-se, para além de se pensar. E mesmo pensando em Deus somente, sem qualquer recurso à teologia, um ateu facilmente se torna num treinador de café que opina sobre tudo o que o treinador da sua equipa deveria fazer, sem meter os pés em campo. Ou seja, corre o risco de fazer conversa fiada, mas enfim.

Depois, consideram irracional a inconsistência entre crenças associadas a religiões diferentes. Subjaz a questão: quem tem razão? Como se os que trabalham e dedicam o seu tempo ao diálogo inter-religioso se fizessem tal questão. Nem por isso. A diversidade é uma riqueza, não uma inconsistência. 

Ainda, no raciocínio que delineia no post, afirma-se que, o que é científico implica necessariamente a comparação com alternativas, tentando encontrar a melhor solução ou explicação. A resposta ao teste científico para encontrar a razão da possibilidade de uma pessoa ter uma ideia é comparar uma pessoa com uma torradeira (fartei-me de rir com esta…). Eu estava a pensar em Lonergan e na sua Magna Opus sobre o conhecimento humano, Insight, mas obras excelentes, rigorosas e claras como essa não fazem parte da biblioteca restrita do novo ateísmo.

Há algo que transparece naquele post. Quando nos referimos a questões de Deus é importante colocar a palavra “científico” para justificar como irracional qualquer conceito de Deus. Mas quando aplicamos a mesma abordagem a questões filosóficas como “ter uma ideia”, colocar científico torna-se um empecilho e resolve-se dizendo que essa palavra não está lá a fazer nada. 

Curioso…

Ainda, ao referir a questão “ter uma ideia”, automaticamente se associa que na realidade queremo-nos referir ao funcionamento do cérebro, como se para perceber uma ideia escrita num papel só mesmo sabendo como funciona a caneta com que a ideia foi escrita é que se chega lá. Mais me ri…

Depois, há uma ideia engraçada de que a interpretação de uma experiência de Deus é uma conjectura. Por isso, alguns ateus permitem-se a uma analogia entre uma experiência de Deus e a de um ataque epiléptico. Claramente se percebe que um ateu dificilmente teve uma experiência de Deus, mas conjectura sobre quem a teve. Uma conjectura é uma opinião, com fundamento incerto ou não verificado, ou seja, uma hipótese, presunção ou suposição, logo, não é uma experiência sequer. Quem conjectura, afinal, é o ateu.

A experiência de Deus é algo de muito concreto. Basta pensar no “Human experience of God” de Denis Edwards. Um evento que transforma profundamente a nossa vida, a forma de encarar a realidade à nossa volta, altera profundamente o nosso relacionamento com os outros e o facto de ser “de Deus”, significa que se faz a experiência de um sentido, significado e presença que não encaixa nos padrões humanos naturais. Quem a faz reconhece existirem diferentes níveis de compreensão da realidade, mas como alguns ateus se auto-bloqueiam a tal abordagem ao conhecimento, mantendo a sua mente fechada, têm muita dificuldade em perceber quem tem a mente aberta.

A crença em Deus é reconhecida como útil, mas não verdadeira porque não encaixa do quadro intelectual de alguns ateus que afirmam terem sempre alternativas melhores para explicar as coisas do que Deus, mesmo se nunca as fornecem, ou fornecem alternativas em que comparam alhos com bugalhos, por assim dizer. O problema é que o crente não precisa de invocar Deus como explicação para nada, mas viver Deus, ainda que alguns ateus insistam que invocamos Deus como explicação de tudo e mais alguma coisa, daí que dêem exemplos banais de torradeiras a ter ideias, semelhanças entre experiência de Deus e ataques epilépticos, ou crer em Deus porque dá jeito socialmente… Enfim, eu penso que estas perplexidades e interpretações incorretas daquilo que um crente pode afirmar são o fruto do imperialismo do cientismo sobre o pensamento ateísta que impede o ateu de chegar à ideia mais intelectualmente humilde e rigorosa cientificamente sobre Deus…

… “não sei”.

Caríssimo Ludwig e amigos ateus desejo-vos um Feliz Ano Novo 2017 🙂

Ludwig Kriphal, razões, no blog “Que Treta!”

 

27 thoughts on ““Razões” irracionais

  1. Miguel,

    Obrigado pela resposta rápida mas parece-me que não identificaste correctamente o problema.

    Eu não ponho “tudo no mesmo saco”. Aceito que os conceitos de Deus sejam diferentes de religião para religião – algumas até têm vários deuses – e admiti que é possível que uma esteja correcta e as outras todas erradas. Não é aí que está o problema.

    O problema está inteiramente nas tuas justificações. As justificações que dás para dizer que o teu conceito de Deus está mais correcto que os restantes servem exactamente da mesma maneira para qualquer um dos outros: a “experiência de Deus”, os livros, as escolas, as tradições e tudo isso todas as religiões têm. É irracional da tua parte justificares a crença nesse deus em vez de qualquer um dos outros invocando razões que servem igualmente a todos. É esse o problema.

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    • Ludwig,

      eu nunca afirmei que a minha religião, ou denominação Católica é A religião, aquela que infalivelmente possui o conhecimento supremo de Deus… eu tenho uma experiência de vida que vê em todas as experiências religiosas sementes do Real que Deus é, mas que nenhum de nós possui, ou possuirá, isto é, a capacidade de apreender Quem está para além de tudo aquilo que posso imaginar, e mais perto de mim do que eu de mim próprio. Reconheço que Deus, como realidade que tudo determina, não é determinado por mim, ou por ninguém, ou por método algum. A teologia é a resposta humana através da qual procuramos, nas nossas limitações, entender Deus.

      Não posso, nem quero incutir qualquer experiência de Deus em ninguém. A única coisa que poderia fazer e muitos fazem – e é excelente – é partilhar o seu caminho e convidar outros a fazê-lo, mas tudo depende depois de um acolhimento pessoal daquilo que nos é oferecido.

      A razão e o que é racional está para além daquilo que cientificamente podemos afirmar. O “não sei” é a única resposta científica que podemos dar à questão de Deus. Daí que tenhamos desenvolvido outro métodos, como a teologia. Pensa por exemplo no “Método em Teologia” de Bernard Lonergan. Uma excelente obra de quem domina a filosofia e possui uma sensibilidade sólida no conhecimento científico.

      Até hoje, vi ateus como tu descartarem todos os conceitos de Deus afirmando apenas isso, mas duvido muito que conheçam todos os conceitos com a profundidade suficiente para isso. Penso que um pouco de humildade é um valor que não deves descartar. Se outro Ludwig Feuerbach não o fazia, porque fazes tu? Consideras-te um ateu mais iluminado?

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  2. Miguel,

    Por muita “semente” que vejas nas outras religiões, seres católico implica que consideras haver um conceito de Deus e um conjunto de crenças acerca de Deus que são mais próximas da verdade do que as restantes. As dos evangélicos, dos muçulmanos, dos budistas, dos hindus, etc.

    Aliás, muitas vezes salientaste que o criacionismo bíblico é irracional, por exemplo.

    Mas se aquilo que tu invocas para justificar a tua posição é o mesmo que os outros invocam para as deles, nada disto é racional. Tu não tens justificação racional para preferires a tua fé à dos outros.

    E a razão pela qual isto acontece é que as justificações que tu invocas para a tua fé, e que outros invocam para as deles, não são racionalmente suficientes para fundamentar essa conclusão. Ao contrário do que acontece com a hipótese alternativa de que as religiões são fantasias humanas. Essa pode ser racionalmente fundamentada nas características dos mitos religiosos, nas relações entre eles, nas capacidades humanas para inventar coisas, etc.

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  3. Ludwig,

    eu sei que te dá jeito insistir na falsidade de que me considero mais próximo da verdade do que os outros. Repito uma vez mais. Isso não é verdade. Todos nós vamo-nos aproximando da Verdade, mas essa ninguém sabe muito bem qual é.

    O facto de achar que o criacionismo é irracional deve-se, por um lado, à incompatibilidade com o conhecimento científico mais atual e comprovado, e por outro, à incompatibilidade com o conhecimento da Teologia da Criação mais recente também.

    A razão pela qual adiro a uma expressão da fé e não a outra tem a ver com a experiência pessoal de Deus que fiz e faço. Não sou Cristão por uma justificação racional ou irracional, ou de qualquer tipo que seja. É a opção que experimento que dá mais sentido e significado ao quotidiano.

    Não sei porque razão achas que as razões dos outros não são justificações suficientes para fundamentar a sua experiência. Repara que tu também não tens justificações suficientes para fundamentar as tuas crenças ateístas. O ateísmo é também uma capacidade humana de inventar que não há Deus e não é porque encontra a sua fundamentação na ciência que se vê justificado, porque de Deus, a ciência nada sabe.

    Simples.

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  4. Miguel Panão,

    «eu sei que te dá jeito insistir na falsidade de que me considero mais próximo da verdade do que os outros. Repito uma vez mais. Isso não é verdade. »

    Então achas que a tua noção de Deus, os teus livros sagrados e interpretação que lhes dás não está mais correcta do que a de um muçulmano extremista, de um criacionista evangélico ou dos cristãos lisboetas que massacraram alguns milhares de judeus em 1506?

    E, importante também, achas que a tua opinião de Deus não está mais correcta do que a dos ateus?

    É que, até agora, pelas nossas conversas, pareceu-me que a tua opinião não seria a de que todas as ideias acerca de Deus valeriam o mesmo. Afinal, até salientaste que «existem tantos conceitos de Deus que foram evoluindo ao longo dos milénios da história humana» e criticaste a atitude de «meter tudo no mesmo saco». És tu afinal que mete tudo no mesmo saco ao dizer que tanto faz, são todos igualmente correctos e igualmente errados e é indiferente qual acreditamos?

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    • Ludwig,

      um muçulmano extremista, um criacionista evangélico e cristãos que massacraram não expressam o islão, ou o cristianismo, como Estaline, Hitler e Mao Tse-tung não expressam o ateísmo. Há muitas noções erradas de Deus que provêm mais de interpretações humanas do que na revelação divina. Daí a importância de disciplinas como a teologia.

      A questão de Deus não é de opinião. Mas uma coisa é certa. Estou mais correto (até cientificamente) quando afirmo que de Deus sei pouco, do que muitos ateus (e agora tenho de te incluir) que afirmam “saber” com toda a certeza, que têm uma hipótese alternativa absoluta (Deus não existe) para a questão de Deus.

      Sabes, o maior inimigo da verdade são as certezas porque fecham a mente sobre si própria. E o mais grave é que neste momento estás a discordar comigo e não é porque eu esteja errado, mas porque a tua mente está tão fechada e cheia de certeza que nada mais entra. Não sei como podes quebrar essa barreira, mas pode ser que um dia consigas.

      O mundo do ateísmo, como o teu – já o afirmei anteriormente – vê tudo o que é religioso a preto e branco, sem cor ou escala de cinzentos. Ou estamos corretos, ou estamos errados. Não é indiferente o facto de nos mantermos em dúvida permanente. Para mim, isso é um resultado da fé, como ato de confiança de que é possível chegar à verdade. Basta que nos mantenhamos à procura. Infelizmente, alguns ateus – como tu – já tem todas as certezas. Não procuram. Ou se isso fosse mesmo verdade (terem todas as certezas), por que razão continuam a alimentar este debate? Proposta: fundamentalismo ateísta de que a religião deveria ser erradicada da vida das pessoas porque assenta sobre uma premissa falsa, mesmo que ele (ateu) não saiba bem porquê.

      As razões ateístas permanecem irracionais… aparentemente baseiam-se em certezas incertas. Enfim, cada um vive os seus paradoxos, certo?

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  5. Miguel,

    Essa coisa das certezas incertas, do preto e branco e assim parecem-me acusações sem fundamento e sem relevância para o que estamos a discutir. Talvez se tentares justificá-las se perceba a sua pertinência, mas até lá vou cingir-me ao mais importante. Afirmas que «Há muitas noções erradas de Deus que provêm mais de interpretações humanas do que na revelação divina.» A questão fundamental é como podes saber quais são quais. E nisto os teus critérios são aplicados de forma inconsistente.

    Por exemplo, rejeitas a tese de que Deus manda os terroristas matar inocentes e os recompensa com o paraíso por isso. Porquê? Como é que podes concluir que esta tese é uma interpretação errada? Não o podes fazer com base em evidências empíricas. E se o fazes com base em considerações morais tens de ser inconsistente. Rejeitas que Deus mande fazer ataques terroristas em seu nome porque isso seria imoral da parte dele. Mas aceitas que Deus não impeça ataques terroristas feitos em seu nome quando é obviamente imoral também alguém que tenha o poder para impedir um ataque terrorista não o impedir. As tuas justificações para o deus supostamente bom que deixa crianças morrerem afogadas serviriam igualmente para um deus supostamente bom que manda fazer ataques terroristas: é bom porque não impede o sofrimento das vítimas mas sofre com elas.

    Outro exemplo: rejeitas a tese dos criacionistas evangélicos de que Deus criou todas as espécies por milagre, e todo o universo, há coisa de seis mil anos. Tratando-se de um milagre, esta tese é compatível com tudo o que se possa observar e, por isso, desprovida de qualquer poder explanatório, é racional rejeitá-la. Mas depois aceitas a tese de que Deus criou todo o universo há treze mil milhões de anos também por milagre, outra tese igualmente desprovida de poder explanatório e que seria igualmente racional rejeitar mas essa já aceitas.

    É destas inconsistências que estou a falar e isto não tem nada que ver com os defeitos que me tentas imputar, que ora são por ver tudo a preto e branco ora são por por tudo no mesmo saco e o que mais te ocorre no momento, e que deixas sempre por justificar…

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    • Ludwig,

      certezas incertas e visões do mundo a preto e branco não são acusações, mas constatações da forma como encaras as realidades espirituais. Até hoje não li da tua parte um “não sei” quando essa é a resposta mais rigorosa, a meu ver.

      O “não sei” serve de impulso a que desejar saber e estimula à procura, mas isso exige abrir os nossos horizontes a outros, como o horizonte da teologia.

      Afirmas que os meus critérios são aplicados de forma inconsistente. Depois dás o exemplo de Deus manda os terroristas, etc. O Papa Francisco na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz foi claro a esse respeito, bem como a manifestação que houve de muçulmanos contra o ISIS e que não foi notícia (porquê?, http://www.independent.co.uk/news/uk/home-news/muslim-anti-isis-march-not-covered-by-mainstream-media-outlets-say-organisers-a6765976.html).

      Mas a questão aqui que me leva a constatar o mundo a preto e branco, e meteres tudo no mesmo saco, é a visão de Deus que tens.

      Para ti, Deus deveria intervir materialmente nos destinos do mundo. Impedir terroristas, ou salvar crianças de morrer afogadas. Esta é uma visão do mundo dominado por um ser superior. Como isso não acontece, então, o ser superior não existe. Lamento dizer-te desta maneira, mas isto é uma visão infantil de Deus, como parece ser o teu caso, e que padece de algum amadurecimento.

      Pensa no exemplo de Jesus, por ser o que conheço melhor. Se Deus fosse como tu gostarias que fosse, não teria afastado de Jesus aquele “cálice”? Por que razão não o fez? Por que razão terá Jesus dito “não se faça a minha vontade, mas a Tua”?

      Tu insistes num Deus intervencionista para justificar a crença que tens no ateísmo, mas a questão é esta: se esse Deus não existe (e que eu acredito que não), não deverias antes questionar o conceito de Deus que tens?

      Deus é Existência. Não existe como outras coisas neste mundo existem, caso contrário não seria Deus. Mas como apenas acreditas naquilo que encaixa na visão que tens do mundo, Deus não encontra espaço para se manifestar.

      Depois, a noção de milagre.

      Para ti um milagre é o que os Cristãos chamam ao que não tem explicação. Francamente. Essa é, de novo, uma visão infantil de milagre e própria da imaturidade espiritual de algum ateísmo. Precisas mesmo de ultrapassar isso…
      Milagre é o que muda profundamente a tua visão do mundo. A criação do mundo é um milagre nesse sentido, não por ausência de explicação. Muito pelo contrário, é bom que a ciência explique como emerge o cosmos, mas não por uma questão de competição com a Criação de Deus. Antes, como resposta ao desejo de conhecer impresso em nós por Deus. Se Deus criou o mundo, criou-me também e a ti. Se tu e eu desejamos conhecer, inquirimos sobre o mundo, fazemos ciência porque temos capacidade intelectual para isso, também isso é um dom de Deus que deve ser usado. Não entra em competição ou contradição.

      Por fim, as justificações.

      Não é simples ou trivial justificar assuntos que exigem alguma profundidade nas explicações, daí os artigos, livros, estudos como espaço onde podemos ir em maior profundidade. Não é fácil em pequenos comentários. Sobre esse ponto de vista é mais frutífero focar numa questão muito específica. É por isso que considero que metes tudo no mesmo saco. Por vezes escreves uma série de jargões há muito resolvidos pela teologia que demonstram algum desconhecimento. A questão da teodiceia subjacente a uma criança morrer afogada é um exemplo disso. A incapacidade de aceitares que Deus morre nessa criança e ver nisso amor – que não é nada evidente ou fácil de aceitar em termos humanos – evidencia como é difícil enfrentar a “bigger picture” subjacente à contingência existente no mundo. A questão última que uma criança que morre afogada levanta, para mim, é esta: por que razão o mundo é contingente?
      Ao que pergunto também: se não fosse, seríamos verdadeiramente livres?
      Alguma da reflexão teológica evoluiu no sentido da kénosis essencial em Deus que coloca a sua omnipotência na potência do amor, fazendo o vazio de si mesmo, dando espaço, de modo a que algo, completamente distinto de si, possa existir. Penso que uma referência interessante sobre os últimos desenvolvimentos em relação à teodiceia seja o “The Uncontrolling Love of God” de Thomas Jay Oord.

      Percebo a boa intenção de afirmares que os outros são inconsistentes, e que não justificam o que afirmam, mas seria importante dares-te conta que a medida com que medes os outros é a medida com que serás medido. Não vi até agora qualquer justificação para a tua crença na inexistência de Deus, por exemplo. Se nos focarmos neste ponto apenas, gostaria muito de saber com o pormenor que o tempo e o espaço te permitem, qual a justificação que tens, e conhecer o seu fundamento.

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  6. Miguel,

    Eu não exijo nada do teu deus. A minha conclusão, provisória e com base nos dados de que dispomos, é que o teu deus é tão fictício como o Pai Natal ou o Super-Homem. Não exijo de nenhum destes personagens que intervenha.

    Quem exige que o teu deus se comporte de certas formas és tu, e é daí que vem a inconsistência.

    Por exemplo, tu defendes que o teu deus, sendo eticamente irrepreensível, nunca poderia inspirar ataques terroristas, ou ordenar ataques terroristas, ou recompensar os terroristas com o paraíso por matarem inocentes. Mas, ao mesmo tempo, defendes também que o teu deus, sabendo exactamente quando e onde um ataque terrorista vai ocorrer, nada faça para avisar as vítimas ou as autoridades. No entanto, isto é um acto moralmente repreensível. Saber de um ataque terrorista e não fazer nada para o denunciar é, eticamente e legalmente, ser cúmplice dos terroristas. Por isso é inconsistente tu afirmares que o criador do universo é assim como to julgas e rejeitares as teses dos terroristas muçulmanos que dizem que ele é de outra forma. «A incapacidade de aceitares que Deus morre nessa criança e ver nisso amor» é algo que o terrorista pode também invocar acerca de ti e da tua capacidade de perceberes como é justo alguém matar-se com uma bomba só para poder matar uma data de infiéis.

    Quanto ao milagre, ser «o que muda profundamente a tua visão do mundo» é irrelevante. O que torna a tua justificação inconsistente é a propriedade das teses que invocam milagres de serem impossíveis de falsificar. Se o teu deus criou o universo por um milagre, não importa o que possamos observar do universo que nunca encontraremos nada inconsistente com essa tese.

    A inconsistência de usares isto como justificação para creres no teu conceito de Deus é que isto é verdade para qualquer hipótese deste género. É impossível obter evidências que refutem a tese da criação divina do universo há 13 mil milhões de anos mas é também impossível obter evidências que refutem a tese da criação divina do universo há seis mil anos ou na passada quinta-feira. Tratando-se de um ser omnipotente e agindo de forma que não detalhamos, até pode ter criado tudo a semana passada, incluindo as nossas memórias de um tempo anterior. Por isso é inconsistente dizeres que tu tens razão mas os criacionistas bíblicos não têm. Tu estás na mesma situação que eles.

    Este é o problema que estás a sistematicamente a tentar evitar: tu não tens mais razão do que qualquer outro crente em qualquer outra religião, seja o criacionista evangélico seja o extremista islâmico seja o hindu, o mórmon ou o cientólogo.

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    • Ludwig,

      nada exiges do meu Deus, mas afirmas que dispões de dados. Quais? Em que medida esses dados revelam Deus como fictício?

      Depois, será que ao referires-te ao meu Deus, que o fazes realmente? Dizes que Deus sabe de um ataque terrorista, logo, é cúmplice. Não achas que essa é uma ideia infantil? Eu sei que uma arma mata, logo sou cúmplice de todas as pessoas que mataram com uma arma por saber isso. Não faz sentido.

      Não percebi o queres dizer com a incapacidade de aceitar que Deus morre com a criança e perceber a justiça de matar infiéis com uma bomba. Quer isso dizer que posso associar a capacidade de aceitar que Deus morre com a criança a perceber a injustiça de matar infiéis com uma bomba?

      Quanto ao milagre. Pronto. Finalmente percebi. Quando dizes que algo é irrelevante significa que encontrou eco em ti. E já agora, se os milagres fossem impossíveis de falsificar significaria que tu acreditarias em todos eles, logo, espero que percebas como o ateísmo é, para mim, a prova também da existência de milagres.

      Infelizmente para ti, eu não uso os milagres para justificar a minha crença em Deus. Já te disse e repito, uso os ateus 🙂

      Por fim, infelizmente para ti, uma vez mais, eu não estou na mesma situação que os criacionistas por motivos científicos e teológicos. O literalismo bíblico é o maior empobrecimento da Palavra de Deus que já assisti. O teu problema recorrente é pensar que eu argumento o que argumento por ter mais razão do que os outros. Nope. Quando argumento, faço-o, porque acho fascinante como a mentalidade ateísta pode ser tão fechada…

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  7. Miguel,

    Justificar como sei que o teu deus é fictício merece um pouco mais de cuidado do que estes comentários. Mas prometo um post sobre isso para breve. Apesar de já ter escrito bastante sobre o assunto, estou disposto a tentar novamente.

    Neste momento, penso que é de aproveitar o progresso nesta conversa. Porque, por esta altura, já deves estar a perceber a ginástica que tens de fazer para disfarçar o problema:

    «Eu sei que uma arma mata, logo sou cúmplice de todas as pessoas que mataram com uma arma por saber isso. Não faz sentido.»

    Claro que isso não faz sentido. Nesse caso, a informação que tens é igual à informação que todos têm, incluindo os polícias. Mas supõe que tu sabes que um grupo de terroristas vai atacar amanhã às 12:30. Sabes exactamente onde vão atacar, onde vão dormir hoje, onde têm as armas escondidas, quais os seus nomes. Tudo, todos os detalhes. Se optares por não avisar as autoridades estás a agir de forma eticamente repreensível e a cometer um crime porque tens a obrigação ética e legal, neste caso, de partilhar essa informação com quem possa impedir o ataque e proteger os inocentes.

    Este foi o caso que eu descrevi e é de notar o esforço que fizeste para deturpar este exemplo de forma a safares-te do problema que isto revela acerca da inacção do teu deus.

    Em geral, o problema é este: há situações em que um agente que tenha conhecimento e capacidade para agir é eticamente obrigado a intervir. Há casos em que não intervir é eticamente condenável. E em todos esses casos, se o teu deus existisse, estaria a agir de forma eticamente condenável ao decidir não intervir.

    «Não percebi o queres dizer com a incapacidade de aceitar que Deus morre com a criança e perceber a justiça de matar infiéis com uma bomba.»

    Então eu explico. Eu acho eticamente condenável deixar uma criança morrer afogada quando se pode salvá-la. Tu dizes que isso não é eticamente condenável e eu apenas não percebo o amor que há em deixar a criança morrer afogada por incapacidade minha. Ora, essa desculpa da incapacidade pode ser usada por qualquer terrorista para defender que é justo e eticamente louvável que Deus os mande matar infiéis e tu só pensas que Deus não faria isso por incapacidade tua. Mais uma vez, o problema é que aquilo que tu invocas como justificação para a tese que defendes serve igualmente bem para defender qualquer outra tese.

    «E já agora, se os milagres fossem impossíveis de falsificar significaria que tu acreditarias em todos eles, »

    Não. Significa que rejeito todos por não poderem fazer parte da melhor explicação. A hipótese de que um milagre ocorreu é impossível de falsificar. Por isso, está ao mesmo nível que qualquer hipótese impossível de falsificar. E, por isso, nunca pode fazer parte da melhor explicação porque estará sempre empatada com infinitas outras, mesmo quando não se encontra explicação boa.

    É isto que me leva a rejeitar a hipótese da gravidade ser gerada por duendes invisíveis que vivem dentro dos bariões. Ou que a luz é uma vibração de um éter impossível de detectar. Ou que o universo foi criado por um milagre divino. Isto, sim, está tudo no mesmo saco das hipóteses sem qualquer valor explanatório e que, por isso, rejeito.

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    • Ludwig,

      como sabes tu que Deus não fez tudo o que foi possível dentro da liberdade do mundo para salvar uma criança de uma catástrofe natural?
      Como sabes tu que Deus não fez tudo o que foi possível dentro da liberdade dos homens para impedir um ataque terrorista?

      Embora me acuses de disfarçar o problema, ao voltar o discurso para acusar o que digo, desvias a discussão do problema em si. O amor não está em deixar morrer a criança, mas em morrer “com” ela. Algo totalmente diferente. Se Deus mandasse ou salvasse ou mexesse os cordelinhos da história para que tudo e todos se salvassem seria um Deus manipulador da história, não criador da história e nela participante. Porém, sendo Deus, parece-me racional pensar que o nível de participação não pode ser igual ao nosso, mas antes a um nível mais profundo. Por isso, não é Deus que foi feito à nossa imagem e semelhança, mas nós que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus.

      Por outro lado, o problema é que só um Deus intervencionista justificaria o teu ateísmo. Porém, o Deus que não existe para ti, não existe também para os crentes e a tua justificação apenas vale para uma certa visão de Deus que, na minha opinião, não corresponde à realidade por violar o princípio constitutivo do mundo assente na liberdade que este tem de evoluir. É claro que todos os que possuem alguma cultura científica sabem que essa evolução depende da finitude do mundo. Da morte. A morte em si mesma não é um mal, mas uma oportunidade da vida que nos é dada de evoluir e dela fazer o maior bem possível. Refiro-me, naturalmente, aos seres humanos como agentes éticos e natureza consciente de si mesma.

      Por fim, não está correto confundires não intervir com não agir. A acção de Deus ocorre pelo interior das coisas (within), a um nível da realidade que contém o material, mas está para além dele. Deus está mais próximo de tudo o que existe, do que cada entidade está de si mesma. Se não agisse, não existias sequer para o rejeitar.

      Quanto aos milagres.

      Rejeitas por não fazerem parte da melhor explicação, mas também não concretizas qual a melhor explicação. Científica? Big deal. Qualquer milagre de santo assenta sobre essa verificação. Repara. Verificação, não pressuposto. O que me parece é teres uma noção de milagre muito redutora e simplista. É uma opção tua.

      Depois, de tudo aquilo que consideras explicações rejeitáveis, que eu rejeito também, metes o universo criado por um milagre divino. O problema está que, para ti, “criado” está ao mesmo nível daquilo que um artífice faz. Portanto, o que rejeitas é uma noção de Deus-Artífice. Parabéns. Eu também rejeito. Deus é Criador, ou seja, traz à existência tudo o que existe. Naturalmente que dar existência transforma mais do que a visão do mundo. Possibilita que haja mundo! Logo, como não haveria de considerar isso um milagre…

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      • Cara MA32,

        eu acredito na omnipotência de Deus, não que essa seja “Deus consegue tudo aquilo que eu imagino que Ele pode fazer, ou seja, poder como força de todo o tipo e mais algum, e antes poder como amor. Para mim a omnipotência de Deus está na potência do Amor. E como dizia Teilhard de Chardin, o amor é uma das forças misteriosas mais poderosas deste universo.

        Depois, Deus age no mundo, e de que maneira, mas não espero que seja uma ação exterior às coisas. Isso seria demasiado manipulador, violando a liberdades das coisas serem aquilo que são ou tornarem-se naquilo que podem ser. Penso, e a minha experiência é essa, que Deus age a partir de dentro, agir sem intervir. O problema é que, se fizermos o paralelo entre o tempo do universo (13.6 mil milhões de anos) com um ano em que o mundo surge à meia-noite de 1 de janeiro, o ser humano surge algures a 2 minutos antes da meia-noite de 31 de dezembro, Jesus a 2 segundos, e Galileu – e com ele a ciência moderna – a 1 segundo do fim. Logo, penso que seja prematuro esperar perceber tudo num universo assim tão velho. Será preciso mais vida, mais experiência para perceber cada vez melhor.

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      • Mesmo lendo mais acerca das suas crenças sobre Deus continuo a não ver onde está a incompatibilidade em impedir uma criança de ser morta ou um ataque terrorista, e, especialmente se falamos de “amor”. Se Deus é o criador de todas as coisas através do amor, não seria de esperara que isso acontecesse?

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      • Se o fizesse, não seria uma negação da contingência no mundo que nos faz realmente livres?

        Depois, se Deus é Amor, por definição não é associável a qualquer causa de mal. O problema aqui é … permite? Há quem diga que Deus permite alguns eventos para um bem maior. Mas é difícil olhar para isso na situação de uma criança morta por um tsunami por dois motivos. Primeiro, se Deus permite, quer dizer que podia não ter permitido? Isso resulta numa visão maquiavélica de Deus, um manipulador da história e nós os seus fantoches, o que é incompatível com a visão de um Deus-Amor. Segundo, se Deus não intervém porque não pode, significa que, afinal, não é omnipotente? Bom, neste caso, como afirmei, a omnipotência não está na força de impôr, mas no amor. Logo, a questão desafia a nossa ideia de omnipotência em Deus.

        Mas penso que seja necessário ir mais a fundo. John Polkinghorne fala de uma “Natureza de Processo Livre”. Ou seja, disso inferimos que Deus, seu Criador, deseja uma natureza íntegra, cuja história se desenvolve no ritmo próprio. Um tsunami é o resultado de um processo natural, explicado fisicamente pela teoria tectónica de placas, e faz parte da história evolutiva do nosso planeta. O resultado desse processo pode ser bom ou não, mas essa avaliação restringe-se apenas ao “nosso” ponto de vista.

        Partilho uma história que pode ajudar a entender o que quero dizer. É uma história chinesa.

        “Era uma vez um agricultor chinês. Um dia, um dos seus cavalos fugiu. Os vizinhos vieram até ele, comentando como aquele acontecimento era um infortúnio. O agricultor respondeu: “veremos”.

        No dia seguinte, o cavalo que fugiu voltou, trazendo com ele sete cavalos selvagens. Os vizinhos apareceram novamente, e disseram que isso era uma grande sorte. O agricultor respondeu: “veremos”.

        Depois disso, o filho do agricultor tentou domar um dos cavalos selvagens e caiu, quebrando uma perna. Os vizinhos vieram lamentar o sucedido, dizendo que aquilo era muito má sorte. O fazendeiro respondeu: “veremos”.

        No dia seguinte, os oficiais do exército estavam a recrutar soldados e apareceram na quinta do agricultor, mas não levaram o seu filho por causa da sua perna partida. Os vizinhos vieram ter com o agricultor comentando como aquilo era ótimo, e ele respondeu: “veremos”.”

        A contingência pode resultar num bem, ou num mal. Como raramente temos em cada evento uma visão global de toda a história que daí se desenrolará, afirmar que uma criança morta por um tsunami é simplesmente mau (que sem dúvida, é), não nos permite perceber quais as reais implicações disso. Seria preciso história para o entender. Se Deus interviesse como muitos ateus desejariam, viveríamos num mundo sem liberdade de construir a sua própria história com e sem Deus. Daqui a concluir que Deus simplesmente não existe é a melhor explicação, além de ser fácil demais responder assim, num mundo permeado de uma crescente complexidade, eu diria… veremos.

        A nossa dificuldade está mais em aceitar fazermos parte da história do universo, com tudo o isso implica, do que aferir a existência de Deus com base no facto de Deus ter criado um universo que constrói, na liberdade, através de processos livres, a sua própria história. Preferias viver num universo que não constrói a sua própria história? Preferias que alguém construísse a tua própria história de vida? Deseja ser livres, mas quando as coisas não correm bem, não estamos disposto a pagar o preço do nosso desejo. A incompatibilidade existe, mas não é entre Deus-Amor e uma criança que morre num tsunami. A incompatibilidade está entre exigir sermos livres e não aceitar “eticamente” fazer parte da história do universo.

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      • Miguel, assim eu acho que é melhor não falarmos em Deus-amor, mas sim em Deus-liberdade, e um Deus que não intervém, ou pelo menos cuja intervenção não pode ser / não é detectada. Mas isso não é o que a maioria dos teístas (muito menos os teístas cristãos) acreditam, e é mais próximo do deísmo e não pode ser falsificado.

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      • MA32, tens toda a razão que ninguém sabe quem Deus é ao certo, por esse motivo é que os crentes procuram estabelecer nos limites da capacidade humana um relacionamento com Deus.

        Mas em relação à liberdade, essa é consequência de amor. Pensemos quando amamos. Se amamos verdadeiramente desejamos que o outro seja livre. Na experiência Cristã, vivemos como somos imagem e semelhança de Deus. Daí que se Deus é amor, também nos deveríamos ser-amor. E se ao amar nos fez livres, então deveríamos assumir a possibilidade de o negar. Daí que o ateísmo seja, para mim, uma prova de que a forma como experimento Deus é próxima da realidade, mesmo desconhecendo-a na totalidade. Isso é diferente de deísmo, onde o conceito de ser divino é um ser entre outros seres, causa entre outras causas. Deus-amor, há muito refletido por S. Tomás de Aquino, não é um ser entre outros seres, ou causa entre outras causas, mas o fundamento do ser, da existência e, por isso, génese incausada de todas as causas.

        Por fim, apesar do caminho intelectual ser estimulante, o lugar onde podemos encontrar Deus (se o quiséssemos encontrar) seria na incerteza, no pobre, no Abandonado, no marginalizado. Quando nos damos aos outros desinteressadamente pode acontecer que no caminho encontremos Alguém que poderemos vir a reconhecer como Deus. Mas isso é um passo pessoal.

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      • Quando amamos queremos que o outro seja livre, mas se nós soubermos que vem alguém para matar a pessoa que amamos, então pelo menos avisamos essa pessoa, certo, Miguel?

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      • Não é uma questão de experiência pessoal, é uma questão de olhar à minha volta e pensar que talvez a melhor explicação, sobretudo quando todos os crentes enaltecem o poder do seu Deus, não é que haja um Deus sem poder sequer para comunicar eficientemente e de forma explícita com a sua criação, mas sim que esse Deus não existe ou não comunica.

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      • A tua conclusão parte de uma premissa duvidosa: que não é uma questão pessoal. Por outro lado, a tua conclusão acaba por ser fruto de uma observação, convertida em conclusão, sem passar por uma fase importante de compreensão onde a experiência pessoal e relacional é fundamental.

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  8. Miguel: “Não sou Cristão por uma justificação racional ou irracional, ou de qualquer tipo que seja. É a opção que experimento que dá mais sentido e significado ao quotidiano.”

    Isso faz-me lembrar a posição do padre George Coyne.

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