Sobre Adão e Eva, uma leitura exegética

Falámos da história de Adão e Eva, não é uma fábula, mas também não contém dados históricos sobre a origem do Homem, como por exemplo na história do nascimento de Jesus. Esse é um conto com características míticas. Sendo que um mito (nem bizarro, nem fantasioso) pretende explicar uma realidade humana através de uma narração. Esse situa-se “nos inícios”, não no sentido cronológico da história, mas fora do tempo histórico, e por isso mesmo presente em todos os tempos, é um voltar à essência do ser. É uma história que se faz presente de cada vez que se gera um novo ser humano.

Da história que é longa e contém em si inúmeras realidades teológicas, realçaria a origem do termo adão ha’adam, que vem da terra ‘adamah. A história diz-nos que nós como seres humanos estamos intimamente ligados à criação, ao cosmos. Não estamos no cosmos, nós somos cosmos, iguais mas distintos, porque somos também a síntese deste. O homem, adão, que Deus plasmou inicialmente não é masculino, é o humano, a humanidade, não o podemos colocar na história, é um humano que nunca existiu e que existe em cada criança que nasce.

O segundo ponto importante é a figura de Eva (é a esta altura que surge pela primeira vez Adão), com a narrativa da criação de Eva, no seguimento de que “não é conveniente que o homem (=humanidade) esteja só”, constata-se esta solidão como sinal de ausência. É verdade que o amor de Deus pelo homem preenche o homem, mas este relato quer dizer-nos que somos ser-em-comunhão, a nossa existência só é possível na relação. A figura de Eva simboliza assim a criação da humanidade como dualidade homem-mulher, como ‘ish (ele) e ‘ishshah (ela) [embora ‘ishah não seja o feminimo de ‘ish pois possui uma raiz diferente ‘nsh (=ser débil)].

A serpente. A palavra serpente nashah possui a mesma terminação que o termo «divinização», a magia, o culto estrangeiro, que enquadrada na experiência do povo de Israel pode ser interpretada como a sedução de outros cultos que quebra uma relação autêntica com Deus.
Esta serpente existe no coração de cada um. Consiste na possibilidade de escolhas diferentes da Vontade de Deus (=o que está inscrito no intímo de homem). O diálogo entre a serpente e Eva desenvolve-se apenas entre as duas. Onde está Adão? Este facto quer-nos transmitir que a falta de relação, leva exactamente à tentação e ao mal, à rotura do pacto de aliança com Deus.

Para terminar a simbologia gostaria de explorar o texto que fala daquilo que estamos habituados a entender como a punição divina, as consequências do pecado. Essas palavras “alimentar-te-ás do pó da terra – serpente – os teus filhos hão-de nascer entre dores, ficarás sujeita ao teu marido – mulher -, só conseguirás alimento à custa de penoso trabalho, porque tu és pó e em pó te hás-de tornar (=morte) – homem” são constatações, não consequências. A Serpente é maldita, Deus constata o mal desta semente no homem e não aprova. A relação homem-mulher está contaminada por conflitos de relacionamento. A relação homem-natureza está contaminada. O homem constata assim a sua situação real de mortalidade; quando se procura a omnipotência e imortalidade sozinho, descobre o facto de fazer parte da terra ‘adamah, a sua condição finita. A verdadeira “morte” está na quebra de relações com Deus, com os outros e com a natureza. Assim não devemos esperar encontrar na história que exista um animal serpente que não rasteje, ou parto sem dores, ou trabalho que não canse, ou mesmo homens imortais. Tudo isso não é fruto do pecado, mas faz parte da nossa constituição como humanos.

(comentário de Marta P. a um artigo de Gérard Rossé sobre exegese de Gn 2-3)

21 thoughts on “Sobre Adão e Eva, uma leitura exegética

  1. Bom dia,

    Se Adão e Eva não foram indivíduos reais, mas apenas representações fictícias do homem primitivo, então a afirmação da Bíblia de que Deus originalmente criou a vida pode ser reconciliada com a afirmação científica de que o homem evoluiu?

    Suponhamos que Adão e Eva não foram pessoas reais. Como, então, seriam entendidas as referências bíblicas de Mateus 19:4,5; Lucas 3:23-38; Romanos 5:12,14; Judas 14?

    Cumprimentos,
    Manuel Rodrigues

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  2. Caro Manuel Rodrigues,

    «Se Adão e Eva não foram indivíduos reais, mas apenas representações fictícias do homem primitivo, então a afirmação da Bíblia de que Deus originalmente criou a vida pode ser reconciliada com a afirmação científica de que o homem evoluiu?»

    Sim.

    Mt 19, 4-5: «Ele respondeu: “Não lestes que o Criador, desde o princípio, fê-los homem e mulher, e disse: Por isso, o homem deixará o pai e a mãe, e se unirá à sua mulher, e serão os dois uma só carne?”.»

    Aqui pode entender-se que o ser humano existe enquanto relação, uma relação feita para a unidade e não “mesmidade”. Os dois serão “um só” no amor. O amor esponsal é, aliás, uma das imagens melhores para entender o amor na relacionalidade vivido na Trindade.

    Lc 3, 23-38: Geneologia de Jesus que vai por Set até Adão, terminando com Adão que vem de Deus.

    A genealogia de Jesus não é isenta de preocupações apologéticas dos evangelistas que procuram salientar como em Cristo se cumpriram as Escrituras, sendo ele o Messias esperado. O facto de irem até Adão tem uma forte ligação com Jesus como “Novo Adão”, logo se percebe a densidade teológica contida nesta genealogia que não se deve interpretar à letra, mas como o Espírito de Deus conduz a história humana.

    Rm 5, 12-14: Fala de Cristo como o novo Adão. Mais uma vez uma leitura com um significado teológico, que mantém a coerência com as escrituras e encontra nessa continuidade e valor da salvação de Cristo.

    Judas 1, 14: Fala de Enoc, sétimo patriarca depois de Adão. Mais uma vez, coerência e continuidade. Onde se lê Adão, lê-se humanidade que toma consciência de si mesma, lê-se momento a partir do qual o povo de Deus inicia a sua história de relação com Deus. Se esse patriarca onde os autores hebreus situam o início se chamava Adão, ou não, parece-me pouco importante relativamente ao conteúdo da mensagem que os autores pretendiam transmitir. Mas a noção de haver um início e uma realidade que é histórica não é trivial e mostra quão profunda é a mensagem, também para os dias de hoje.

    Aproveito para sugerir um outro post onde inclui um texto de Ratzinger sobre o pecado original Pecado Original e Relações Danificadas.

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  3. Caro Miguel Panão,

    Em Mateus 19:4-6 Jesus, que existia no céu antes de vir à Terra, acreditava no livro de Gênesis, incluindo o relato sobre Adão e Eva. Assim, questionar Gênesis é minar a credibilidade do próprio Jesus, bem como a de muitos escritores da Bíblia.

    Lucas 3:23 a genealogia de Jesus, começa a partir de Adão, foi registada pelo evangelista Lucas. Se Gênesis fosse um mito, então em que ponto da genealogia os nomes reais terminariam e os chamados nomes lendários começariam? Davi e Abraão são bem conhecidos como pessoas históricas. Assim sendo, não é lógico concluir que Adão era uma pessoa real?

    Em vista disso, Deus pôde providenciar que os descendentes de Adão e Eva fossem resgatados pelo único homem que veio a ser uma exceção a regra estabelecida em Romanos 5:12. Adão e Eva poderiam estar vivos hoje, mas eles morreram porque preferiram desobedecer a Deus e, desse modo, pecaram. O motivo por que morremos é que tanto a inclinação pecaminosa de Adão como a morte foram transmitidas a todos os seus descendentes.

    A Bíblia explica que o proceder rebelde de Adão e Eva resultou em perderem o favor de Deus e a oportunidade de viverem para sempre num paraíso terrestre. Os corpos perfeitos que Deus lhes havia dado começaram a se deteriorar, finalmente a ponto de morrerem. Propensos então à doença e à morte, poderiam apenas produzir filhos com similar deficiência. “Quem pode, de alguém impuro, produzir alguém puro?”, perguntou certa vez Jó, e daí passou a responder: “Nem sequer um”. (Jó 14:4) À medida que cada geração se afasta mais do início perfeito da humanidade, as imperfeições aumentam.

    Se não aceitarmos o relato bíblico de Adão e Eva, então, como explicaremos por que, apesar do progresso tecnológico e científico, o homem continua a adoecer e morrer?

    O Miguel responde tendo com base a filosofia e não a Bíblia.

    Cumprimentos,
    Manuel Rodrigues

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  4. Caro Manuel,

    Em Mt 19, 4-6, Jesus refere-se à humanidade e ao ser humano constituído como relação, em particular, relação homem-mulher. Não se refere à existência literal de um casal que terá dado origem a toda a humanidade (monogenismo). Se
    quiser aprofundar melhor este aspecto sugiro as catequeses de João Paulo II, dentro da temática da Teologia do Corpo, sobre o “Homem Original”. Logo, não vejo como isso descredibiliza o próprio Jesus.

    Quanto à genealogia, compare Lucas com Mateus, cap. 1. No caso do último, Adão nem sequer é referido.

    O homem continua a morrer e a adoecer, e com isso sofre, porque não encontrou ainda sentido para isso, em particular, se o fizer apenas com base no progresso tecnológico e científico.

    Porque terá Jesus morrido? Por causa do pecado de Adão e Eva (se fosse feita uma interpretação literal da Bíblia)? Ou será que a morte sempre fez parte da vida e da forma como o mundo é e foi criado? A grande diferença entre o tempo em
    que o Génesis foi escrito e Jesus é que Jesus deu um sentido à morte, que antes não tinha. Diz Von Balthasar que «cada ser humano fica no seu próprio túmulo. E com esta condição, neste caso do ponto de vista do corpo separado, Jesus é o primeiro verdadeiramente solidário». A morte é tão real hoje como foi desde sempre. Mas depois de Cristo, a morte faz parte do sentido da vida e isso é, em si mesmo, um verdadeiro milagre, porque altera completamente a nossa visão do mundo.

    Tem razão ao afirmar que respondo com base na filosofia, mas não o faço porque desprezo a Bíblia, mas porque a minha experiência de leigo é que a melhor resposta que a Bíblia dá acontece quando a encarnamos na vida, quando cada situação que se nos apresenta é uma página que se abre pronta a ser re-escrita pela nossa resposta-vivida perante essa oportunidade. Por outro lado, não é meu costume responder a determinadas questões com uma interpretação literal da Bíblia, embora a considere como referência máxima em qualquer discurso de teor teológico. Como diria Galileu, a intenção do Espírito Santo quando inspirou a Bíblia foi dizer-nos “como se vai para o Céu, não como vai o Céu”.

    Por fim, agradeço muito o seu comentário que me leva a pensar sobre os assuntos, significando isso que construímos juntos as respostas na diversidade dos seus conteúdos.

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  5. Caro Miguel,

    A bíblia embora escrita por homens, ela transmite os pensamentos de Deus. A Bíblia explica: “Os homens falaram da parte de Deus conforme eram movidos por espírito santo”. Muitas “coisas” contidas na Bíblia são simbólicas, outras não, como é o caso de Adão e Eva. Existe várias hipotses ou modelos em busca dum ascendente comum, no entanto para o crente o qual deposita fé nas palavras de 2 Timóteo 3:16 “Toda a Escritura Sagrada é inspirada por Deus…” e é nela que encontra a “Sabedoria é a coisa principal. Adquire sabedoria; e com tudo o que adquirires, adquire compreensão.” (Provérbios. 4:7).

    Se lhe pergunta-se como pode ter certeza de que “Jesus refere-se à humanidade e ao ser humano constituído como relação”? Talvez não recorra à sabedoria de Deus para encontrar a resposta.

    Jesus Cristo é amplamente reconhecido como alguém que se apegou às mais altas normas de honestidade e moralidade. Se o relato de Génesis sobre Adão e Eva fosse apenas alegórico, teria Jesus citado isso como facto real? Dificilmente! Logo eu vejo com isso que descredibiliza o próprio Jesus, quando o Miguel atribui ao relato de Adão e Eva como mitologia.

    Pediu-me para comparar a geneologia de Lucas e Mateus mas sem responder no entanto a que altura a listagem dos ancestrais de Jesus, feita por Lucas, muda de uma pessoa mítica para uma pessoa real? Quem é o primeiro homem real na lista, se não Adão?

    “embora a considere como referência máxima em qualquer discurso de teor teológico.” Se assim o é deixe que a Bíblia se interprete por ela, recorrendo a ela em busca das respostas como fizeram os Bereanos.

    Pessoalmente aprecio Filosofia, mas Deus diz que a filosofia é vã. E o que dizer??? Se Deus diz lá deve ter as suas razões.

    Construimos ou tentamos procurar as respostas no meio de tantas opiniões, muitas vezes contraditórias. Nos conselhos de quem voçê deve confiar? Pergunte-se: Esses conselhos são resultado de pesquisa cuidadosa na sabedoria divina ou opinião pessoal do autor? Um guia que passou pelo teste do tempo é a Bíblia.

    Atenciosamente,
    Manuel Rodrigues

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  6. Caro Manuel,

    Quando a exegése se refere ao relato de Adão e Eva como tendo características míticas, fá-lo tendo em conta a realidade humana que o autor, inspirado por Deus, pretendeu transmitir e não um relato histórico dos acontecimentos, que seria proveniente de um literalismo bíblico.

    Ao negar o literalismo bíblico, o crente não nega que a Bíblia tenha sido inspirada por Deus (2 Tim 3, 16), ou que recusa a Sabedoria que dela provém, mas sim, nega uma interpretação literal fixa de uns poucos e não fecha a Sabedoria num “saber” particular.

    O que é a Sabedoria de Deus? Será aquela que provém de uma interpretação literal de um versículo da Bíblia, ou aquela que provém do amor ao versículo quando o procuramos re-escrever com a vida?

    Nada indica que Jesus ao referir o relato dos Génesis estivesse a fazer uma interpretação literal e a considerá-lo como um relato histórico. Até pode ser, mas se Jesus é Deus, então o relato para Ele refere-se a mais do que uma sua interpretação literal, mas sim ao mistério do homem n'Ele profundamente revelado. Ser humano que “é” amor e se estrutura na reciprocidade, constituído como relação.

    Repare, se somos imago Dei e se Deus é Trindade, Pessoas-em-Comunhão (ver J. Zizioulas, “Being as Communion”), então, podemos pensar que a imagem do “em” é o “como”, tal que nos entendemos “pessoas-como-comunhão” se criadas à imagem de Deus. Logo, não é difícil perceber que a riqueza do relato de Adão e Eva não está na sua interpretação literal, mas na sua interpretação exegética. Se seguir a minha sugestão e aprofundar a forma como João Paulo II trata o “homem original” na sua Teologia do Corpo, penso que irá descobrir melhor o valor daquilo que procuro dizer-lhe.

    No quadro da teoria da evolução, quem é para si o primeiro homem?

    Onde está escrito que a Filosofia é vã? Contudo, acredito nisso, porque a minha experiência é que pensar só faz sentido se for um acto de amor.

    Por fim, a minha experiência é que a Bíblia não se pode reduzir a um guia de conselhos sábios. A Bíblia, como Palavra de Deus, contém palavras humanas que traduzem realidades eternas, experienciais e cuja compreensão está para além da cultura de cada tempo. Logo, contém verdades que não se contradizem com qualquer cultura de qualquer tempo. Nesse sentido, isso deixa pouca margem a uma sua interpretação literal, que reduz a história de Deus com o seu Povo a historicismo.

    Cordiais saudações,
    Miguel Panão

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  7. Boa tarde,

    “Quando a exegése se refere ao relato de Adão e Eva como tendo características míticas, fá-lo tendo em conta a realidade humana que o autor, inspirado por Deus, pretendeu transmitir…”

    Asserção não factual. A exegese é acção humana, não divina. T. Todorov disse “…um texto é simplesmente um piquenique para o qual o autor leva as palavras e os leitores levam o sentido.” , fica claro que a exegése dá para muita coisa. Se o Jack, o Estripador, que fez o que fez na base da sua interpretação do Evangelho segundo Lucas, suspeito que numerosos críticos orientados para o leitor se sentiriam inclinados a pensar que ele lera Lucas de maneira algo grotesca. Os críticos não orientados para o leitor diriam que Jack, o Estripador, estava completamente louco. Compreendo que o meu exemplo é exagerado, todavia penso que mesmo um argumento assim paradoxal deve ser seriamente ponderado, tendo como única base sustentadora a bíblia.

    Que realidade humana se refere?
    Em que textos bíblicos se baseia para saber o que o autor “pretendeu transmitir”?
    O que a Bíblia diz: “Façamos o homem à nossa imagem.” (Génesis 1:26)

    ”Ao negar o literalismo bíblico, o crente não nega que a Bíblia tenha sido inspirada por Deus (2 Tim 3, 16), ou que recusa a Sabedoria que dela provém, mas sim, nega uma interpretação literal fixa de uns poucos e não fecha a Sabedoria num “saber” particular.”

    Correcto. Os dias criativos não são literais. Jesus, Moisés, Abraão, Jacó, Noé, Adão e Eva foram personagens que existiram.

    O que a Bíblia diz: 1 Timóteo 2:13,14 diz:”Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher sendo enganada caiu em transgressão” o registo inspirado fala dum Adão e duma Eva literais, e não dá a mínima impressão que a narrativa seja mitológica na sua intenção.

    Seria interessante que o Miguel, em sua exegese, explicasse em como este texto acima o autor se refere a um Adão fictício. Para alguém ateu será simples, é fictício. A menos que o crente justifique com a Palavra de Deus que efectivamente o casal original é mito.

    “O que é a Sabedoria de Deus? Será aquela que provém de uma interpretação literal de um versículo da Bíblia, ou aquela que provém do amor ao versículo quando o procuramos re-escrever com a vida?”

    Esta questão não faz sentido.
    O que a Bíblia diz: “Sabeis primeiramente isto”, disse o apóstolo Pedro, “que nenhuma profecia da Escritura procede de qualquer interpretação particular. Porque a profecia nunca foi produzida pela vontade do homem, mas os homens falaram da parte de Deus conforme eram movidos por espírito santo”. 2 Pedro 1:20, 21. Felizmente, Miguel, a Palavra de Deus dá orientação nesta questão.

    “Nada indica que Jesus ao referir o relato dos Génesis estivesse a fazer uma interpretação literal e a considerá-lo como um relato histórico.”

    Nada indica é que Jesus se refira ao relato de modo mitológico.
    O que a Bíblia diz: “Não, não foi por seguirmos histórias falsas [mitos], engenhosamente inventadas, que vos familiarizamos com o poder e a presença de nosso Senhor Jesus Cristo, mas foi por nos termos tornado testemunhas oculares da sua magnificência.” – 2 Pedro 1:16

    “…seguir a minha sugestão e aprofundar a forma como João Paulo II trata o “homem original” na sua Teologia do Corpo, penso que irá descobrir melhor o valor daquilo que procuro dizer-lhe.”

    Pode ser para o Miguel que o relato mitológico seja uma riqueza, não para Deus. Li a sua sugestão, mas sinceramente prefiro os autores bíblicos que João Paulo II.
    O que a Bíblia diz: “… a Tua Palavra é a verdade.” João 17:17

    “No quadro da teoria da evolução, quem é para si o primeiro homem?”

    O homem foi criado por Deus. No quadro evolucionista essa questão não tem sentido, a existência do “primeiro homem.

    O que a Bíblia diz: “E Deus passou a criar o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.” Génesis 1:27

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  8. “Onde está escrito que a Filosofia é vã?”

    Gostei desta questão, que suspeito, procura a fonte. E direi Miguel, não está em citações meramente humanas mas provinda de Deus.

    O que a Bíblia diz: Vou deixar o texto para o Miguel confirmar na sua própria tradução e notar o amor e a cautela de Deus para os cristãos – Colossenses 2:8

    Vejo Jesus como uma pessoa honesta, sem necessidade de recorrer a mitos. Os mitos fazem os homens, desejos humanos, interpretações humanas. ” O mito é uma resposta provisória às perguntas do homem desejoso de conhecer a razão das coisas.” A. H. Krappe

    Deixe Miguel que a Bíblia seja um livro em que:

    “Tuas advertências são maravilhosas.

    Por isso é que a minha alma as tem observado.

    A própria exposição das tuas palavras dá luz,

    Fazendo que os inexperientes entendam.” Salmo 119:129-130

    Bom fim de semana e boa leitura,
    Manuel Rodrigues

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  9. Caríssimo Manuel,

    pelo que depreendo temos experiências de vida em Tradições diferentes. A minha experiência é na Igreja Católica, como deve ter percebido, mas gostava de saber a sua.

    Ao ler o que escreveu, recordo -me de Santo Agostinho que escreveu um livro intitulado De Genesi ad litteram ou “Comentário literal aos Génesis”, ou seja, aparentemente numa linha de interpretação literal. Diz ele que «quanto ao assunto da forma do céu, os escritores sagrados não queriam ensinar aos homens factos que não servissem de proveito à sua salvação». Por outro lado, ilustra isso com o facto de Deus criar a luz no primeiro dia (Gn 1, 3) e o sol no quarto (Gn 1, 16), concluindo que a “luz” e os “dias” não têm qualquer sentido literal. Ainda, Agostinho diz no seu comentário aos Génesis que «se acontece que a autoridade da sagrada Escritura é colocada em oposição a um raciocínio claro e certo, isto deve significar que a pessoa que interpretou a Escritura não a entendeu correctamente».

    Como vê, porventura, Santo Agostinho não se baseava na Bíblia para fazer o seu comentário teológico, ou a sua interpretação? Contudo, é de salientar que aquela que faz ocorre com a melhor ciência que existia na época porque ele reconhecia a importância de que a verdade não contradissesse a verdade porque a realidade é Una.

    O literalismo bíblico, que leva a pensar em Adão e Eva como personagens que existiram parte da infalibilidade da Bíblia e de uma não-hermenêutica para sentenciar sobre argumentos científicos. A exegese faz uma interpretação gramatical, histórica, entre outras dimensões da realidade, procurando enquadrar uma determinada passagem no contexto em que foi escrita e qual o sentido verdadeiro das palavras escritas, pelo que não se trata de algo onde cada um pode dar o seu sentido como a frase de Todorov citada parece querer fazer.

    Quanto à sua leitura literal de 1 Tim 2, 13-14 para justificar Adão com personagem histórica, se São Paulo tivesse pegado numa parábola de Jesus, como aquela do filho pródigo, terá esse filho existido? O relato de Adão e Eva fazem parte da Tradição Judaica pelo carácter mitológico que possuem, ou seja, exprimem realidades intemporais (como as parábolas) às quais São Paulo recorreu para inferir sobre o comportamento das mulheres durante a instrução. Já agora, terá sido São Paulo machista nessa passagem? É que se fizermos uma interpretação literal desta passagem é isso que ela parece … o que é pouco adequado para os dias e cultura de hoje. Daí o perigo do literalismo bíblico, até mesmo para a vivência da fé Cristã no mundo actual.

    Mais à frente no seu comentário refere 2 Pd 1, 16 colocando depois de “histórias falsas” a palavra “mitos” e aqui percebi melhor o seu problema. É que um mito não é uma história falsa!! Um mito também pode não ser interpretado como uma resposta provisória segundo Krappe. Um mito é uma narrativa, escrita com uma linguagem dramática e concreta, não científica ou generalizadora. (…) Enquanto a linguagem objectificadora do mito parece dar uma literalidade inapropriada, os seus eventos extraordinários as suas dramatis personae tornam-no sugestivo nas dimensões da experiência que está para além daqueles episódios quotidianos do mundo.» (J. Macquarrie, Principles of Christian Theology) Logo, se interpretado literalmente, não só um mito se torna incapaz de comunicar algo aos homens de hoje, como se pode confundir com uma “história falsa”.

    O que a Bíblia diz sobre a criação do homem à sua imagem e semelhança, mostra precisamente a riqueza da doutrina do imago dei quando não interpretada literalmente.

    Quanto à sua noção de “filosofia” como “teorias e argumentos de falsa sabedoria, baseados em tradições humana ou nos princípios deste mundo e não nos ensinamentos de Cristo” (Col 2, 8), penso que é uma visão muito redutora do que é a filosofia, literalmente “amor à sabedoria”, logo se essa sabedoria que se procura amar é aquela que provém dos ensinamentos de Cristo, então é filosofia Cristã e o argumento com base em Col 2, 8 não tem sentido.

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  10. Penso que o Manuel faz interpretações muito pessoais daquilo que vem na Bíblia, daí que essa não deva ser interpretada literalmente, mas sempre no contexto de uma Tradição, daí a minha pergunta sobre qual a sua, porque sem o saber é-me difícil entendê-lo como gostaria.

    Por fim, agradeço o seu conselho final, mas a Bíblia é para mim muito mais do que um livro, e creio que para si também. São palavras de vida eterna (Jo 6, 68) porque não a dissocio do encontro com uma pessoa, Jesus Cristo, Deus que se privou do que era seu e tomou a condição de escravo, que vivendo como homem, humilhou-se a si mesmo (Fil 2, 7-8). A Bíblia é Palavra Viva e Palavra de Vida porque a vida da Palavra só acontece se deixar que cada momento seja expressão de uma página sua. Se o meu amado é meu e eu sou dele (Cant 2, 16), apenas nesta totalidade de dom-de-mim-mesmo ao Amor, encontro a forma de escrever cada página com a vida, pois já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (Gal 2, 20).

    Cordiais saudações,
    Miguel Panão

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  11. Caro Miguel,

    A frase de Todorov é evidencia de tantas religiões existentes. Para umas Adão e Eva foram anjos caídos à terra. Para outras foi o primeiro casal humano na terra. Outras foram personagens mitológicas. E ainda há os que pensam foram extraterrestres. Como vê, é só escolher.

    Se 1 Tim. 2:13-14 não justifica, onde diz Adão e Eva foi formado e prefere atribuir a esta passagem um carácter mitológico, deduzo que esta entre muitas outras passagens bíblicas são para si com a história do patinho feio, história essa que faz parte do património cultural recheada de valor moral.

    O Paulo foi inspirado por Deus. Essas palavras (que diz “machista”) assumem um valor divino. Mas esse é outro tema.

    Citei 2 Pd 1, 16 como poderia citar 1 Tim. 1:3,4 em que o ancião cristão Timóteo instruiu os que desejavam adorar o Deus verdadeiro a não prestar atenção a “doutrinas falsas” e a “mitos”. Percebo a sua definição de mito, contudo tenho presente as palavras de E. Morin, O homem e a morte que diz: “Os mitos implicam o antropomorfismo; são fábulas (…) a missão da cultura é desembaraçar-se dos mitos.” Que histórias seriam essas que Pedro e Timóteo advertia os cristãos? Se ler todo o contexto perceberá.

    Col. 2:8 – Deve ser redutora, sim, com tanto livro a explicar a epistemologia da palavra filosofia. Reduzir a filosofia em “teorias e argumentos de falsa sabedoria…“ dá para entender um dos poemas de F. Nietzche “Pensar a sós -isso é sábio”. Que estaria Deus a pensar…quereria ofender os homens sábios? Nietzche ficou ofendido.

    As minhas interpretações da bíblia resume-se por ler a Bíblia com produto não de homens mas de Deus, assumindo que está contida a verdade. O resto é trabalho humano, divagações, especulação sem levar em conta o pensamento de Deus. Deus pensa e quer tenhamos a “mente de Cristo”, não a mente do Manuel, Miguel ou “Santo” Agostinho.

    Contudo, não é um trabalho em que me encontro sozinho. Faço parte duma comunidade religiosa que ama a Deus, tomam a bíblia a sério e deixam que exerça poder na sua vida. É um grupo fraterno e unido, pacífico e internacional. São identificados como bons cidadãos do pais onde vivem, mas, em primeiro lugar, são súbditos do Reino de Deus e estão activos em transmitir a outros as boas novas desse Reino. Estou apresentado, não tenho a mínima dúvida que já tenha identificado a que grupo religioso pertenço.

    Não duvido do valor que o Miguel atribui à Bíblia. O problema é que a maioria das pessoas não mais encara a Bíblia como autoridade em assuntos de moralidade ou que ela descreva soluções eficazes para os problemas do crime, da fome e da poluição. O Miguel revela ser um apreciador deste livro, mas talvez seja necessário um olhar mais atento e livre de ideias humanas, permitindo que a seja unicamente a bíblia que brilhe na sua mente e coração.

    Penso que se verificou algumas mudanças no seu discurso – este último – mais centrado na bíblia, fazendo citações da bíblia. Fazendo dela como diz “Palavra viva e Palavra de Vida”.

    Cita Jo 6:68 em que Pedro diz:” Tu tens declarações de vida eterna”. Vida eterna? Sim, a vida que Deus proporcionou ao primeiro casal humano, mas devido ao pecado resultou – entre muitas coisas – a necessidade deste maravilhoso livro, a Bíblia.

    Os blogues para mim não são os melhores locais para divulgar a palavra de Deus, mas o contacto visual. Mas aprecio o seu esforço sincero em promover valores morais.

    Bom domingo,
    Manuel Rodrigues

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  12. Caro Manuel,

    Tal como disse anteriormente, a Bíblia assume – para o Cristão – a importância de ser traduzida ou re-escrita com a vida. Logo, percebe como a história do patinho feio está fora deste contexto, ou como a forma do Manuel interpretar um relato com características mitológicas parece confundir-se com uma fábula. Não é assim que interpreto. Para mim um relato bíblico, com características mitológicas, não é uma fábula com personagens fictícias. Uma personagem num relato com características mitológicas é uma personagem mitológica enquanto portadora de uma realidade acima de si mesma se interpretada literalmente. Não se deve confundir com uma personagem fictícia que não exprime esse mesmo nível de interpretação do real, mas o fruto do imaginário humano. Nesse sentido, não partilho da leitura de Morin (e do Manuel se concordar com ela).

    Ao ler 1 Tm 1, 3-4 verifiquei que se fala em “fábulas e genealogias intermináveis”, não mitos, ou relatos com características mitológicas como é o Génesis. Por outro lado, as doutrinas estranhas ou falsas, bem como as fábulas a que se referiam São Pedro e São Paulo na carta a Timóteo são aquelas que nos afastam de Jesus e da comunidade Cristã que gerava a Sua presença pelo amor recíproco (Mt 18, 20), logo, isso não impedia que na própria doutrina houvesse relatos com características mitológicas.

    Nietzsche vivia e pensava voltado para si mesmo e daí ficar ofendido. Quando a vida de Jesus é toda voltada para fora de si mesmo, leva-nos a vislumbrar algo da vida trinitária que não se compadece com uma cultura do Eu, mas uma cultura da Relação.

    Quanto à Bíblia ser um produto de Deus, lamento, mas considero isso também uma visão redutora da Bíblia. A Bíblia é escrita por homens com uma relação profunda de entrega a Deus, sendo essa a única forma de se deixarem inspirar por Ele e colocarem em pobres e simples palavras as realidades inefáveis do Céu, desse espaço de encontro e comunhão com Deus. A verdade contida na Bíblia é a verdade de um povo que existe enquanto relação com Deus, verdade que deve ser aprofundada através do estudo, não interpretada literalmente, mas exegeticamente, tendo em conta a realidade que exprime na sua totalidade e não na sua particularidade. O relato dos Génesis mostra-nos o “homem original”, como Deus pensou o homem que existe enquanto relação de amor, amor que é dom-total-de-si a um “outro” que o traz à existência. “Homem original” não porque se refere a um acontecimento histórico ocorrido nas origens, mas “original” no sentido da novidade que ele comporta para a própria relação da Criação com Deus.

    De facto, pensamos o mesmo quando aderimos a São Paulo ao dizer-nos para termos o pensamento de Cristo (1 Cor 2, 16), mas temos apenas o pensamento de Cristo se Ele estiver presente no meio de nós (Mt 18, 20) e só O temos presente no meio de nós se nos amarmos uns aos outros (Jo 15, 17), logo, é o amor recíproco que nos leva a ter o pensamento de Cristo, exigindo que sejamos-amor, estruturados na reciprocidade (Martin Buber), e nos reconheçamos pessoas-como-comunhão, seres relacionais. Tudo isto tem a sua génese no Génesis e na realidade que esse relato pretende transmitir quando interpretado exegeticamente.

    Manuel, eu penso também que existe, de facto, uma indiferença cultural perante a Bíblia e muitos mal entendidos, alguns dos quais despontados pelo literalismo bíblico. A autoridade da Bíblia só se manifestará a toda a humanidade, quando essa a vir escrita com a vida das pessoas. Pergunto, que versículo ou passagem gostaria que a pessoas escrevessem (sem a conhecer), apenas olhando para o seu testemunho de vida? A Bíblia é letra morta se a nossa vida não a canta.

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  13. Caro Miguel,

    É com enorme prazer encontrar pessoas – como o Miguel – em que o diálogo “cumpre” uma missão de partilha de vivências.

    Neste seu último comentário percebi uma fundamental diferença de exegese entre nós, passo a citar:

    “…lamento, [a bíblia ser produto de Deus] (…) a verdade contida na Bíblia é a verdade dum povo…”
    Vou ilustrar a diferença, caso esteja errado no que entendi na sua interpretação corrija s.f.f. se possível usando a mesma ilustração.
    Tema: Quem escreveu a carta?
    Interpretação do Manuel:
    O patrão expressa verbalmente o conteúdo da carta, o secretário escreve conforme o seu patrão dita.
    De quem é a autoria?
    Do patrão.
    Interpretação do Miguel:
    O secretário tem uma “profunda relação” com o patrão, “ [deixa-se inspirar] por Ele” colocando “simples palavras as realidades” do seu patrão.
    De quem é a carta?
    Do secretário.
    Fico sem perceber que papel desempenhou Deus? Como é possível a um ser humano ter consciência de que está inspirado por um ser infinito?
    “Sei que há Hindus que acreditam que o mundo foi criado em uma desnatadeira cósmica e povos da Nigéria que acreditam que o mundo foi criado por Deus a partir do excremento de formigas. Certamente estas histórias têm tanto direito a tempo igual quanto o mito Judeu-Cristão de Adão e Eva.” Fonte: Dawkins, Richard (1996).” A ciência é uma religião.” http: ateus.net
    A filosofia ateísta concorda com a visão de que o relato de Adão e Eva é um mito.
    Qual é a fronteira entre o mito que os ateus atribuem ao relato de Génesis e o do Miguel? Pode esclarecer?
    Ao ver a Galáctica desenvolvo uma “relação profunda (…) sendo essa forma de se deixar inspirar por…” uma visão do mundo apresentada no filme. Logo, coloco “em pobres e simples palavras” um relato em que os humanos surgiram em um planeta distante chamado Kobol, em um passado longínquo.
    “…as fábulas a que se referiam São Paulo na carta a Timóteo são aquelas que nos afastam de Jesus e da comunidade cristã.”
    Curiosa esta sua interpretação e politicamente correcta. Que fábulas seriam essas? Seriam as que eles constatavam na Grécia e em Roma?
    Poderia dar uma resposta fechada às seguintes perguntas a fim de clarear um pouco mais a sua visão do relato de Génesis:
    O relato de Génesis, o épico de Gilgamesh, Enuma Elish, o Épico de Atrahasis partilha coincidências impressionantes. Existe diferença(s) significativas entre Génesis e os restantes relatos mitológicos?
    Cerca de 300 mitos de criação foram analisados por A.G. Rooth. Rooth conclui-o que apesar das variações de costumes e outros factores culturais, concordavam com a criação divina e uma queda moral da humanidade. Não aponta essas similaridades dos mitos para o mesmo evento, extraindo uma verdade que consiste na existência de um casal humano criado por Deus e não por meio da evolução?
    Numa questão que levantei anteriormente sobre a genealogia de Jesus que começa a partir de Adão, pode indicar mais alguns nomes contidos nessa genealogia que semelhantemente a Adão e Eva não existiram?
    No relato de Génesis surge uma serpente, que muitas religiões a identificam como o Diabo. Na sua interpretação o Diabo existe?
    Numa era mais esclarecida, fundamentada no pensamento científico, nivelar os mitos de criação com o relato de Génesis não lhe parece algo inevitável?
    O livro de Génesis é a base de toda a cosmovisão do cristianismo, bem como do judaísmo e do islamismo. Se, Adão e Eva cometeram apenas um “pecado relacional”, se a humanidade “só pode ser salva (…) se nos envolvermos em relações adequadas.” não lhe parece que independentemente de se ser crente ou ateu todos alcançam a vida eterna?
    Qual a “prova” que seria necessária para o Miguel crer na existência literal de Adão e Eva?

    Cordiais saudações,
    Manuel Rodrigues

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  14. Caro Manuel,

    Obrigado pelo seu exemplo. Ilustra bem a diferença de opiniões entre nós, excepto numa coisa essencial. A autoria do conteúdo da carta na interpretação do Miguel também é do patrão, porque não é o secretário, por ele mesmo que é capaz de escrever, mas é pela relação que estabelece com o patrão, ou seja, é pela comunicação que o patrão faz de si mesmo na relação com o secretário, que esse é capaz de escrever o conteúdo da carta na verdade autêntica.

    «Fico sem perceber que papel desempenhou Deus?»

    Deus agiu através dos relacionamentos.

    «Como é possível a um ser humano ter consciência de que está inspirado por um ser infinito?»

    Penso que através dos frutos do Espírito Santo, como por exemplo, a paz. Mas também através da edificação da comunidade e da sua relação com o Criador usando o texto inspirado.

    «A filosofia ateísta concorda com a visão de que o relato de Adão e Eva é um mito.»

    Ora aí está um erro e uma novidade para si. A filosofia ateísta, sobretudo a de Dawkins, faz precisamente uma “interpretação literal” dos Génesis, tal como os criacionistas. E esta!?

    A forma como entendo mito, ou compreendi o que significa a narrativa de Adão e Eva possuir características míticas, foi um artigo de Gerard Rossè, um exegeta Católico, no qual foi baseado o post. Diz ele que

    “O termo “mito” não deve ser entendido no sentido depreciativo, como se esse fosse
    bizarro e fantasioso. O mito pretende explicar a realidade humana mediante uma narração
    transparente, uma narração que quer penetrar na história perene e profunda do homem; é
    um “símbolo em acção”. Como escreve Borgonovo: «trata-se daquele preceder etiológico como modo “de fazer história”: nesse, a historicidade não está nas informações contidas no próprio texto, mas na trama narrativa, experimentada como constante na própria história, e projectada “ao início”, para explicar a própria identidade ou o próprio pensamento»”

    « Existe diferença(s) significativas entre Génesis e os restantes relatos mitológicos?»

    Sim. Nas outras o homem vai ao encontro da divindade. Nos Génesis é Deus que vai ao encontro do homem.

    «Não aponta essas similaridades dos mitos para o mesmo evento, extraindo uma verdade que consiste na existência de um casal humano criado por Deus e não por meio da evolução?»

    Isso seria monogenismo e essa é uma noção abandonada há muito, onde a ciência possui o esclarecedor relativamente è fé, ajudando-a a aproximar-se da Verdade que é o próprio Deus, que cria um mundo em evolução.

    «Numa questão que levantei anteriormente sobre a genealogia de Jesus que começa a partir de Adão, pode indicar mais alguns nomes contidos nessa genealogia que semelhantemente a Adão e Eva não existiram?»

    Peço desculpa, não percebi a questão.

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  15. «No relato de Génesis surge uma serpente, que muitas religiões a identificam como o Diabo. Na sua interpretação o Diabo existe?»

    O Diabo existe e isso é um facto para qualquer Cristão. Quanto à serpente, volto a citar Rossè que me parece esclarecedor:

    Entra em cena uma nova personagem, mítica: a serpente que fala. Ao ouvido do Hebreu, a palavra nahash («serpente») sugere não só uma serpente real, que se pode esmagar inadvertidamente, e cuja mordedura pode ser perigosa, mas a «divinização» (mesma terminação), logo, a magia, o culto estrangeiro (cf. Lv 19.26), em suma, a experiência de Israel muitas vezes tentado a deixar-se seduzir por cultos estrangeiros, abandonando a relação autêntica com JHWH, a única fonte de vida.

    Pelo facto de ser uma personagem mítica, esta serpente existe no coração de cada um. Consiste na possibilidade de uma escolha diferente daquela querida por Deus (que está inscrita no íntimo do homem: a nudez original): o mistério da liberdade humana e do mal.

    O diálogo desenvolve-se entre a Serpente e a mulher (cf. Gn 3, 1-6), a porta-voz que nos representa a todos. Tudo se desenvolve no coração da mulher; a serpente é uma «voz interior no coração da mulher» . Mas esta faculdade da imaginação não explica tudo. A serpente indica também que o mal, no fundo, permanece um enigma, um mistério. E a identificação posterior da Serpente com Satanás (cf. Ap 12, 9) contém a sua quota parte de verdade, uma vez que exprime aquela dimensão transcendente do mal em nós: o que nos impulsiona a preferir os ídolos a Deus? .

    O diálogo desenvolve-se, logo, entre a Serpente e a mulher. Onde está o homem-macho? A mulher deixa-se seduzir porque o homem está ausente, não desenvolve a sua função de aliado na relação com a mulher. «O homem está inexistente. Ele deixa a sua mulher dialogar sozinha com a serpente … Quando se desenvolve o discurso interior da mulher, o seu aliado, o seu próximo está ausente… Todas as desgraças do mundo vêm, definitivamente, da falta de relação entre homens e mulheres. Da rotura de um pacto de aliança» .

    Toda a cena que revela, na realidade, da parte do narrador, um sentido apurado de observação psicológica , serve, na história da interpretação, para culpabilizar a mulher . Porém, «o narrador, com a partilha do fruto (3, 6)… impede cada imputação parcial: é a humanidade, enquanto homem e mulher, a transgredir o mandamento, não apenas a componente feminina».

    «Numa era mais esclarecida, fundamentada no pensamento científico, nivelar os mitos de criação com o relato de Génesis não lhe parece algo inevitável?»

    Eu penso que o relato do Génesis tem características míticas, mas a Criação é um facto. Contudo, o que é a Criação? A Criação é o “acto” (creatio ex nihilo), o “ser” (o criado como é o ser humano) e a “relação” (Deus cria para que tudo entre em comunhão com ele). Nada disto é contradito pela ciência, nem poderia sê-lo, uma vez que a realidade é Una.

    «Se, Adão e Eva cometeram apenas um “pecado relacional”, se a humanidade “só pode ser salva (…) se nos envolvermos em relações adequadas.” não lhe parece que independentemente de se ser crente ou ateu todos alcançam a vida eterna?»

    Se um crente não ama, terá a vida eterna?
    Se um não-crente ama, não terá a vida eterna?
    Se amarmos na relacionalidade, não será uma ideologia que servirá de impedimento à infinita misericórdia de Deus.

    «Qual a “prova” que seria necessária para o Miguel crer na existência literal de Adão e Eva?»

    Voltar atrás no tempo, há cerca de 6000 anos e ver o mundo de então.

    Cordiais saudações,
    Miguel Panão

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  16. Boa tarde Miguel,

    “…também é do patrão…”

    Que confusão que por aí vai.

    Repare, Traudl Junge foi secretária pessoal de Adolf Hitler. Recebeu muita informação documentando a vida do “fuhrer”. Foi publicado um livro com o título “Até ao Fim : um relato verídico da secretária de Hitler”. De quem é a autoria? Note a sua resposta:

    “… não é a [secretária], por [ela] mesmo que é capaz de escrever, mas é pela relação que estabelece com o Hitler, ou seja, é pela comunicação que o [Hitler] faz de si mesmo na relação com [a] [secretária], que [essa] é capaz de escrever o conteúdo [do livro] na verdade autêntica.”

    Há lógica, mas… se Traudl não estabelece-se contacto com Hilter o documento não seria de inestimável valor histórico. Mas para surpresa Miguel, a autoria não é de Hitler. É mesmo da secretária Traudl Jungle.

    Sobre Dawkins. Não é erro nem novidade para mim. Para mim Deus existe, para Dawkins : “Crer em Deus é como crer no coelhinho da Páscoa ou no Pai Natal”. Dawkins, Richard “Desilusão de Deus”. Para mim Jesus ressuscitou, para Dawkins é mito. Para mim existiu milagres conforme registados na Bíblia, para Dawkins é mito. Talvez o Miguel acredite na Virgem Maria, para Dawkins é mito. Como vê, não me surpreende que Dawkins rejeite também a existência de Adão e Eva e muitas outras coisas escritas na Bíblia. O que surpreende é crentes num Ser Superior questionar a confiabilidade dos registos bíblicos, quando se descobrem incapazes de aferir o Criador e Suas obras (origem da humanidade) questionando o poder de Deus e atribuindo um poder infinito à natureza.

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  17. Compreendo a visão de mito e não estou completamente em desacordo. Mas noto que recorre á palavra mito como dissociação cognitiva. Para o evitar e simplificar. Para mim existiu em carne e osso vindo da terra, para o Miguel não existiu em carne e osso vindo da tradição.

    “Sim. Nas outras o homem vai ao encontro da divindade. Nos Génesis é Deus que vai ao encontro do homem.”

    Errado. Se ler as mitologias dos povos verificará que existe mitos em que a divindade vai ao encontro do homem. Contudo, é mito.

    “Isso seria monogenismo e essa é uma noção abandonada há muito…”

    Desde a encíclica “A Humani Generis”, que aponta para o monogenismo, que repete o que sempre a Igreja ensinou com base na Escritura Sagrada?

    Poligenismo : “teoria, hoje posta de parte, segundo a qual a humanidade terá origem em diversos casais. Opõem-se-lhe o monogenismo”. Fonte: Enciclopédia Católica Popular de D. Manuel Franco Falcão , 2004.

    A questão que não percebeu.

    Exemplifico: de Adão e Eva nasceram filhos e filhas – tais como Abel, Caim e Sete. Estes por sua vez tiveram filhos e filhas- Enos; Jared; Enoque; Noé; Tera, Abraão; Judá; Davi; José; Zorobabel; Naum; Amós ; Eli; José; Jesus Cristo.

    Entre tantos personagens na genealogia de Jesus escrita na Bíblia, perguntava-lhe (já sei que para si Adão não foram reais como eu e você) que outros não existiram literalmente?

    Por exemplo Caim e Abel fruto do amor do primeiro casal, não existirão? E os que mencionei acima não existiram, quais são eles?

    “O Diabo existe e isso é um facto para qualquer Cristão.”

    Há por aí muitos “cristãos” que dizem que o diabo é o mal no coração humano. Mas ainda bem que para o Miguel o Diabo é real. Menos para Adão e Eva… afinal o Diabo não tentou Eva, só no mito, … é que se fosse real, percebia-se Génesis 3:15.

    – “Ufa, do que me livrei”, diz o Diabo, “um descendente que esmagaria a minha, o Miguel é porreiro, isto é tradição judaica”

    “Eu penso que o relato do Génesis tem características míticas, mas a Criação é um facto.”

    Concordo. É um facto. Não evoluímos de símios.

    “Voltar atrás no tempo, há cerca de 6000 anos e ver o mundo de então.”

    Mas caríssimo Miguel que não seja esse o problema, tenho comigo um arco do Stargate que permite a passagem para outras épocas, para além de disponibilizar-me em contactá-lo pessoalmente ao domicílio – gratuitamente – e convidá-lo a analisar O que a Bíblia realmente diz, o arco… para passado, presente e futuro.
    Não obstante, colocando-me a mim própria a questão o que me faria mudar ou que provas seriam necessárias, diria unicamente a Bíblia. Se o conseguir, aceito a verdade.

    Quanto ao Miguel demonstra ou parece demonstrar inflexibilidade. É pena se assim o for.

    Cordiais saudações,
    Manuel Rodrigues

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  18. ERRATA:

    “Ufa, do que me livrei”, diz o Diabo, “um descendente que esmagaria a minha cabeça, o Miguel é porreiro, isto é tradição judaica”

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  19. Caro Manuel,

    O Ser-Criador de Deus é diferente do ser-criatura de Hitler, logo, o seu argumento não se aplica.

    O problema de Dawkins é fazer tanto “literalismo bíblico” como os criacionistas.
    Os “registos bíblicos” são registos históricos? Eu sei que é assim que interpreta, e chama-se literalismo bíblico, mas quem não o faz acredita que a humanidade é criação de Deus e não de um demiurgo. Criação essa que a ciência mostra que ocorreu por evolução e a teologia que ocorreu por amor.

    Quando se interpreta literalmente o génesis, tornam-se legítimas as críticas de Dawkins, logo, demonstra como o literalismo bíblico desvia as pessoas (inclusivé crentes) da messagem profunda que certos relatos bíblicos comportam.

    «Se ler as mitologias dos povos verificará que existe mitos em que a divindade vai ao encontro do homem.»

    Podia dar-me um exemplo?

    «Desde a encíclica “A Humani Generis”, que aponta para o monogenismo, que repete o que sempre a Igreja ensinou com base na Escritura Sagrada?»

    O que a encíclica avança é que a humanidade tenha surgido por evolução, mas que a alma tenha sido uma intervenção directa da parte de Deus. Contudo, o que é a alma? É que na tradição Cristã corpo e alma são uma unidade corpórea indivisa, sem dualismo.

    Quanto à genealogia de Jesus. Incluir Adão, no carácter narrativo que tem o conto de Adão e Eva, é incluir a humanidade inteira desde as suas origens. Se se fizer uma interpretação literal, então, Adão é um personagem histórico. Ou seja, tudo depende da interpretação. Se literal ou exegética.

    «Não evoluímos de símios.»

    De facto, a teoria da evolução não diz que evoluímos de símios, mas que temos um ascendente comum.

    «colocando-me a mim própria a questão o que me faria mudar ou que provas seriam necessárias, diria unicamente a Bíblia. Se o conseguir, aceito a verdade.

    Quanto ao Miguel demonstra ou parece demonstrar inflexibilidade. É pena se assim o for.»

    Recordo mais uma vez Galileo: a Sagrada Escritura fala-nos de como se vai para o céu, não de como vai o céu.

    O que é a verdade? Apenas a Bíblia? Mas … quem fez a Bíblia e porque a compilou assim? É lícito pensar que se houve razões científicas e históricas para compilar da forma como se fez, que essas razões se tornaram obsoletas com os avanções nessas dimensões do conhecimento?

    Cordiais saudações,
    Miguel Panão

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